Eu sabia que esse negócio de fazer aniversário todos os anos iria dar nisso: acabei envelhecendo. Às vezes, me pego pensando no que vou fazer quando crescer e me dou conta de como minhas opções diminuíram. Não tenho mais idade para ser nada.
Só me animo quando vejo uma lista de prováveis candidatos a sucessor do papa. A idade média deles é 70. ser papa é uma das poucas coisa que eu ainda posso, realisticamente, aspirar. Mas minha unica credencial é para o cargo é a idade. Não sou cardeal, não sou nem praticante.
Devo ter deixado minha fé no bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão.E a única coisa que me lembro do evento, além da fatiota ( e da gravata prateada!) , não é a emoção de receber a hóstia e o rito eucarístico, são os doces que tinha em casa, depois. Acho que foi ali que fiz a minha opção preferencial pela perdição.
Invejo quem tem fé, mas não posso deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano ( devoção por pastéis e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim: o deus do oboé, que além de ser um instrumento divino é o que afina todos os outros), é a única coisa sensata em meio ao que não deixa de ser - se bem examinada - uma crise mundial do monoteísmo.
Bons tempos em que, em vez de não ter mais idade, nós ainda não tínhamos idade. E sonhávamos com tudo o que viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido até 14 anos. Beber e fumar. ( O importante não eram a bebida e o cigarro, era a pose que se fazia bebendo e fumando. Ficar adulto era adquirir a pose). Beijar com beijavam nos filmes - pelo menos nos proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém sabia o que acontecia. Ficar acordado até mais tarde. Ganhar a chave da casa. Dirigir um carro. Usar bigode.
Ainda não ter idade era ficar pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada. Não ter mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por tudo que não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais, não seria, assim, apropriado para a nossa idade.
Chama-se vida essa lenta transformação da frase, de ainda não ter idade para não ter mais idade. Ou de poder ser, teoricamente, tudo o que se sonasse, a poder ser, teoricamente, só papa. E por pouco tempo.